O auto-retrato da C&T

O auto-retrato da C&T

Se o novo ministro da Ciência e Tecnologia quiser mapear a atividade científica e tecnológica do país não precisará visitar as universidades e instituições de pesquisa a bordo de um avião. Um computador conectado à internet será o bastante.
Com alguns cliques, o deputado federal Eduardo Campos (PSB-PE) terá à sua frente um retrato fiel do que se produz em termos de C&T no Brasil. Trata-se da Plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br), iniciativa voltada para a gestão de informação sobre Ciência, Tecnologia e Inovação. Ela armazena mais de 350 mil currículos de pesquisadores, docentes, estudantes, gestores e profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. Fruto da parceria entre governo e universidade, a brasileira Plataforma Lattes hospeda ainda 20 mil grupos de pesquisa em cerca de 270 instituições de pesquisa.
Às vésperas de completar cinco anos, a ferramenta, no entanto, ainda é pouco conhecida no próprio país. Um desperdício, é verdade, se for levado em conta o acervo de informações armazenado em sua base de dados. Para se ter uma idéia da cobertura que essas informações representam, pode-se tomar como exemplo a relação dos 10 melhores médicos do Brasil. A lista foi publicada no caderno Sinapse, da Folha de S.Paulo, do dia 17 de fevereiro, em matéria abordando a trajetória de cada um desses profissionais. Dos 10 médicos, nove têm seu currículo cadastrado na Plataforma Lattes. Dois deles, inclusive, com dados atualizados seis dias antes da publicação da reportagem – 11 de fevereiro. E mais: quatro já constam da relação de pesquisadores brasileiros antes mesmo de se completar o quinto censo nacional de grupos de pesquisa (ver subtítulo abaixo "A nata da nova geração médica").
Como se vê, a Plataforma Lattes abriga não apenas pesquisadores e estudantes que requerem verbas federais para implementação de projetos. Ela é, com certeza, uma verdadeira vitrine e memória da C&T brasileira. E não é só a área da saúde que está bem representada. Uma pesquisa sobre transgênicos, por exemplo, indica 162 grupos de pesquisa com atuação relacionada ao tema e 290 currículos de profissionais com algum desempenho na área. Desses, 34 são autores de registros e patentes. Especialistas podem ser facilmente encontrados para apoio científico à Comissão de Biossegurança do governo federal, por exemplo, criada para discutir os organismos geneticamente modificados.
Além de poder beneficiar jornalistas ou comissões especializadas do governo e o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia na tomada de decisão, a Plataforma Lattes pode ajudar empresários na busca de profissionais qualificados, favorecendo a integração universidade-empresa. Afinal, o Brasil tem formado seis mil doutores por ano e, conforme matéria publicada pelo Jornal do Brasil, edição de 2/2/2004, o mercado têm absorvido poucos desses profissionais.
A Plataforma pode ser um veículo de aproximação entre indústria e universidade, pois facilita o acesso e a aplicação de tecnologias de ponta desenvolvidas em universidades e institutos de pesquisa. Já para o pesquisador, favorece o intercâmbio com outros cientistas e auxilia na manutenção de um único currículo científico completo, que serve a várias agências. Aliás, a transparência no processo de fomento é outra grande característica do portal. É possível conferir cada centavo repassado pelo CNPq aos pesquisadores.
Em resumo, a Plataforma Lattes oferece gratuitamente vários serviços a uma vasta gama de usuários.
Números
Apesar de todas as vantagens, a popularidade dessa tecnologia se restringe à academia. Fora das universidades e instituições de pesquisa, o portal ainda é pouco conhecido. Mesmo assim, seu mérito pode ser comprovado pelos números. Em cinco anos, a Plataforma Lattes já acumula 6 milhões de acessos à sua página inicial, é visitada por 67 países e recebe 20 mil visitas diárias.
Desde o lançamento, em agosto de 1999, a Plataforma Lattes mantém um crescimento contínuo da sua base de dados e comprova, a partir daí, sua maturidade no cenário nacional de CT&I. Em junho de 2000, por exemplo, com apenas 10 meses de existência, ela já acumulava mais de 50 mil currículos, um aumento nem mesmo esperado pelos mais otimistas. Afinal, o CNPq (www.cnpq.br), instituição idealizadora do portal, levara sete anos para armazenar cerca de 40 mil currículos eletrônicos. Hoje, recebe um mínimo de 100 novos currículos por dia, e já multiplicou por 10 sua base original de 35 mil documentos, registrando atualmente mais de 350 mil currículos.
O Grupo Stela (www.stela.ufsc.br), vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é o principal desenvolvedor da Plataforma Lattes. O laboratório é especializado no desenvolvimento de sistemas de informação e em inteligência aplicada.
Aproximando nações
Mas não é apenas o Brasil que se beneficia de seus recursos. A Plataforma Lattes chamou a atenção de outros países e serve de modelo a uma rede de cooperação internacional. Trata-se da Rede ScienTI (www.scienti.net), idealizada para padronizar e compartilhar informações e metodologias de gestão sobre CT&I da América Latina, do Caribe e dos países da Península Ibérica. A entidade foi criada em dezembro de 2002 na capital de Santa Catarina, Florianópolis, com a participação de 11 países. A Colômbia já utiliza os sistemas brasileiros traduzidos para o espanhol há um ano e meio; o Chile usa há seis meses, e o Peru, há quatro. A lista de países beneficiados não pára por aí. Ainda inclui Argentina, Equador, Panamá, Venezuela, Paraguai e Portugal.
Segundo o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Alberto Pellegrini, a Rede ScienTI nasce para superar o já lendário isolamento continental. "Não se pode esperar que muitos dos problemas da América Latina, se não forem resolvidos na América Latina, sejam equacionados pelas comunidades científicas do Norte", diz.
Com a Rede ScienTI em vigor, é possível viabilizar uma série de intercâmbios internacionais da comunidade científica e tecnológica dos países participantes. Exemplos de parceria não faltam. Nações poderiam juntar forças e conhecimento para combater doenças como a malária e até mesmo a Aids.

Reproduzido do Jornal da Ciência (http://www.jornaldaciencia.org.br), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), 19/3/04